Fé. Nem demais, nem de menos!

Tenho pensado muito em fé e na minha completa incapacidade de mantê-la por tempo suficiente para que faça alguma diferença.
Explico-me. Tenho alguma fé. Pouca e esporádica. Creio em coisas diversas, nem sempre conciliáveis e esse é o grande nó da questão. Por isso tenho uma inveja saudável das pessoas que crêem ou descrêem com convicção.
São poucas as coisas das quais estou certa.
Sei por exemplo que os deuses são pessoais e intransferíveis, pois como posso imaginar que o deus de um atenda a todas as necessidades do outro? Vai daí que não creio em um deus externo a nós humanos, que nos governa, dirige, dita nossas regras, desce aos infernos e sobe aos céus e coisas que tais.
Também não consigo conceber a existência de um deus único como o judaico cristão, macho que cria a partir de si mesmo. Não entendo como a humanidade pode conceber um deus desse tipo, a não ser que consideremos seu nascimento no bojo das profundas transformações sociais tidas a partir da substituição das sociedades matrilineares pelas patrilineares. Só então ele faz sentido.
Creio mais na dualidade inerente ao ser humano. Aquela que se prenuncia e se denuncia em cada gesto, em cada ato, em cada sentimento: a luz e a sombra, o masculino e o feminino, o bom e o mau, o progresso e o retrocesso, a coesão e a dissolução.
Creio ainda que nossos deuses reflitam em boa medida essa nossa dualidade, mas, na grande maioria das vezes, ela é colocada fora de nós e polarizada: deus e o diabo, o pai e a mãe, os vários aspectos dos orixás.
Tenho saudade do tempo em que tínhamos por governantes um casal celeste, quando cultuávamos a grande mãe, aquela que englobava em si mesma tudo o que nos fazia divididos. Era a grande provedora, a grande amante, a mãe terrível. Era o sorriso quando nascíamos e era também quem nos ceifava a vida, espreitava nossos deslizes. Era a mãe severa e doce, era a morte e a vida.
Essa grande e eterna mãe é a que vejo sempre na face da terra sertaneja, radicalmente mãe e madrasta. É essa mãe que encontro na caatinga, seca, esturricada, ou verde e luxuriante.
E é sempre pra ela que retorno a cada ano, porque nela creio.

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