“Seu”João

Década de 60, Boquira (BA), consultório médico.

– Seu João?

– (tosse, tosse, tosse) Bom dia dotô! Seu João entra na salinha do médico, meio encabulado, chapéu amassado nas mãos.

– Tosse braba essa né, seu João?

Começa o interrogatório. Teve febre, desde quando? Tosse há quanto tempo? Já tomou o quê? O doutor é jovem, veio da capital do estado. Moço estudado e cheio de boas intenções já conhece as manias do pessoal da roça, dos unguentos, chás e garrafadas. Começa o exame físico. Temperatura (37 graus e meio), aspecto geral e dados particulares.

– Respira fundo, seu João.

– (tosse, tosse, tosse)

– Solta

– (tosse, tosse, tosse)

O estestocópio no ouvido dá a informação da broncopneumonia. Não satisfeito, espalma a mão nas costas do paciente e bate com o dedo nas costas da mão. Mesma resposta. Faz a receita de antibiótico, xarope e tais. Explica com cuidado as formas de uso dos medicamentos e certifica-se se seu João entendeu tudo direito.

– Entendeu tudo, seu João?

– Sim, sinhô.

Seu João se levanta, chapéu numa mão e receita na outra.

– Dotô, adiscurpa. O sinhô me diz: maxixe cum catarro faz mal?

– Faz mal não, mas é porcaria.

Em silêncio, seu João sai do consultório, chapéu amassado numa mão, a receita na outra.

Mais tarde o jovem doutor, conta a conversa que teve com o paciente. “Não entendeu a piada”, diz o médico. Todos riem do chiste. Ninguém se deu conta da delicadeza do silêncio de João.