Sobre maternidades e filiações

Na verdade nem sei por onde começar a falar de maternidades e filiações.
Talvez pelo fato de ser plural.Maternidade não é uma só. Nem filiação. Existem tantas maternidades e filiações quantos forem os viventes. E se é verdade que sobrevivemos ao aniquilamento do corpo, somem-se aos viventes in corporis, os viventes em espírito.
Tudo começa por nunca ter me sentido uma boa mãe, ou seja, sempre estive fora da normalidade estabelecida para a maternidade. Ou para a filiação.
Explico. Minha gravidez é traumática, apesar de ser tranquila, sem problemas de saúde ou limitações. Adoro parir, mas carregar outra pessoa dentro de mim é bastante complicado.
As mães normais se escandalizam. Mas é seu filho!!!!, dizem. Assim mesmo, com todas as exclamações possíveis, como se o fato de ser meu filho fizesse do futuro vivente, uma extensão de mim e não outro ser, diferente como sempre é o caso.
Que ninguém pense que não amo apaixonadamente meus cinco filhos. Seria injusto e ilógico. Claro que eu os amo, mas não por serem meus filhos, mas por serem as pessoas que são. E ponto.
Também espero que eles me amem, não porque sou suas mães, mas porque sou eu, com todas as limitações, erros e acertos, defeitos e qualidades. Da mesma maneira, espero o mesmo dos outros, mesmo não tendo sido gestados e paridos.
Na minha primeira gravidez tive sérias conversas com o Criador que eu ainda acreditava ser uma entidade em realidade e presença. Talvez, não seria mais tranquilo se nossa gestação fosse externa, como a das galinhas? As mães, passadas, presentes e futuras se escandalizavam, mas fazer o quê?
Então, anormalidades à parte, acho muito estranho mães amarem seus filhos por serem seus filhos e os carregarem no útero como se eles fossem uma extensão delas mesmas. Normalmente isso resulta em relações onde os limites são escassos e ralos, onde um não sabe onde começa o outro e as individualidades não se fortalecem adequadamente.
Não digo que estão elas erradas e eu certa, mas acho que pensar o outro como o Outro, diferente de Si mesmo é mais fácil e no fundo torna-se mais saudável. Acho mesmo que nossa cultura tem, historicamente, incentivado a construção e manutenção do mito da boa mãe, que não consegue ver que o Outro é simplesmente outro ser, outra personalidade, outra pessoa. Diferente. Nem melhor, nem pior.
O Outro, não é, em absoluto, nem relativamente, um livro em branco onde nós escreveremos os futuros possíveis.
Destruir esse mito faria, ainda, que os filhos aprendessem a não designar às maternidades a responsabilidade do seu infortúnio, ou sucesso, da sua frustração, ou a concretização de seu sonho, como se fossem eternas crianças, dependentes do zelo materno.
Se foi difícil pensar um começo, por um fim se torna tarefa ingrata e nem resvalei na questão da responsabilidae de se Ser e Estar no mundo.
Enfim, ainda há muito a ser pensado e dito sobre maternidades e filiações, mas que cada um se perceba, se descubra e se reloque em um ponto mais confortável do universo.

2 Respostas para “Sobre maternidades e filiações

  1. Gostei prima, maravilhoso o seu texto, é de uma sobriedade ímpar. As pessoas tendem a endeusar a figura da mãe e se esquecem que ela é apenas um instrumento para gerar outro ser tão complexo igual a ela. É muita cobrança em cima da maternidade…”ser mãe é padecer no paraíso” acho esta frase tão cafona, e por isso mesmo eu entendo cada palavra sua dita aqui. Não sou mãe, mas consegui enxergar este seu desligamento uterino do corpo do ser MULHER. E vou compartilha-lo pela sua coragem e inteligência de dissecar um tema tão santificado como a maternidade, beijos.

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