Havia esquecido.
Das pessoas, do lugar, das coisas, até que uma palavra destampou o dique da memória e ela jorrou intensa. Intensamente dolorida. Destampou-se o poço das lembranças e todo o dia correu água dos olhos e a sufocante certeza de que teriam muitas mais a rolar, todas as gotas exigindo saída imediata, sufocantes, num atropelo de angústia.
A razão não explica. A consciência não entende, não clarifica.
Por que a lembrança de Jerônimo e Acidália é tão imensamente dolorida? Mais até que de outros mais chegados? Quem foram eles? Como encantaram meus oito anos para permanecerem sepultados por camadas imensas de esquecimento?
Revisito a casa pobre, a oficina que me encantava, o alumínio dos copos brilhando na prateleira tosca de uma cozinha quase a céu aberto. Ainda posso ouvir o bater do martelo, o farfalhar dos canecos de flandres, as mãos calosas, os abraços apertados e a sensação de estar no topo do mundo, encarapitada nos ombros de Jerônimo. Ouço a voz mansa de Acidália, os longos papos sobre nada, ou quase, minhas pernas balançando no banco alto. E só. Mas é o bastante.
Só por um momento estiveram em minha vida. Mas porque permanecem?
Esses são mortos que não ficam entre os mortos, tão vivos que estão. Só fica a pergunta incomoda? Por quê?