Um papo muito filosófico no Uber e algumas conclusões

Hoje acordei com uma “frase feita” na cabeça e na boca. Tem dias que é assim. Nem sempre dia de frases feitas, mas dia de ter alguma coisa verrumando o cérebro.
Hoje foi: “que vidinha besta!”
Besta porque dormimos e comemos pra ter pique pra trabalhar, prá poder comer e dormir, pra ter pique pra trabalhar e poder comer e dormir, pra ter pique pra trabalhar e poder comer e dormir, pra ter pique pra trabalhar e poder comer e dormir, pra ter… você sabe o resto. Todo santo dia – e nos dias não tão santos também – trezentos e sessenta e cinco dias por ano, por todos os anos de sua vida e, se facilitar, per sǽcula sǽculorum, amem!
Nessa altura da conversa o motorista do Uber me lembra que temos um mês de férias por ano. Sim?!!!!! Pergunto com várias exclamações. Quer dizer que você bésta – de bestar, fazer besteira – trezentos e trinta e cinco dias no ano, pra viver trinta? E ele: e muita vez nem isso! Ouço também, além da frase, toda a desolação desse fato constatado e sentido por nós dois, dos muitos anos que tiramos férias pra trabalhar em outro lugar.
Parece mesmo que vivemos apenas na infância e na velhice. Ou não, como diria Caetano, pois não é que encurtaram a infância e a velhice? Nesse ponto acabou a corrida e saí do carro pensando. Sem querer ser saudosista, mesmo velha, evitando o famigerado “no meu tempo não era assim” não há como deixar de constatar que nosso viver – o “nosso viver”, aqui e agora, dá conta apenas d@ trabalhador(a) comum, aquel@ que ganha pouco, tem filh@, compromissos, contas que têm o mau hábito de se acumular.
É, pois, uma vidinha muito besta mesmo.
E o que é mesmo viver para além dessa roda viva? Sinto que vivo, quando posso andar num caminho ensombrado ou com sol, quando posso ver – não apenas olhar – as flores do caminho, aquelas sem nome, sem charme, sem luxo, aquelas florzinhas amarelas e lilases que brotam às pencas sempre que chove. Ou ainda, vivo quando encontro pessoas, quando ouço e sou ouvida, quando rio sem motivo, choro sem razão, quando numa praia, numa mesa do bar, onde for.
Em não sendo assim, a vida fica cinza, sem graça e muito, muito besta.